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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Gente que inspira

As cores do paraíso

'Ser feliz é uma escolha' | 10.08.11 - 21:57 As cores do paraíso (Foto: Mauro Júnio)

 

Uma gargalhada espontânea. Essa é a resposta de Gissela, quando perguntada se está namorando. “Namorado sério eu não tenho. Já os rolinhos...”, faz mistério, com ar faceiro. A moça de bom humor inabalável parece ter saído de um conto de fadas. Diz que nunca foi triste, é mãe de dois filhos e tem um ótimo emprego. Por pouco, porém, o conto de fadas não se transformou em drama. 
 
Gissela Betânia Carneiro ficou tetraplégica aos sete anos, vítima de um tiro acidental que atingiu sua medula. Filha de uma família extremamente pobre,  que vivia em Quirinópolis, ela teve de ser trazida às pressas para Goiânia. Ficou 13 dias em coma e depois passou quatro anos internada. Os pais faziam esforços enormes para dar a ela o necessário para o tratamento.
 
Em meio ao clima frio e impessoal do hospital, além da família, quem trazia alegria e aconchego à Gissela era uma psicóloga. Do imenso afeto pela profissional nasceu também uma grande admiração. “Decidi que queria ser como ela, para levar apoio às pessoas que precisavam. Fazer um curso superior de Psicologia passou a ser a maior meta da minha vida”, afirma. 
 
Para realizar o sonho, entretanto, era preciso superar barreiras muito reais. A primeira delas era conseguir escrever. “Um dia meu pai viu numa revista o caso de uma mulher que escrevia com a boca e me perguntou se eu achava que daria conta de fazer o mesmo”, lembra. Determinada, ela treinou dias e noites, até conseguir escrever com destreza e caligrafia invejáveis.
 
O segundo desafio era encontrar uma escola pública que a aceitasse. Diante da ansiedade de Gissela, que tinha 12 anos na época e não via a hora de começar a estudar, uma prima convidou-a para passar uma tarde em sala de aula com ela. “Fiquei tão alegre, que mal consegui almoçar. Ao chegar no colégio, vivi um dos piores dias da minha vida”, diz.
 
Gissela conta que foi expulsa da escola, aos berros, pela diretora da instituição. “Quando ela me viu, começou a gritar. Disse que eu era um monstro e não poderia permanecer entre os alunos normais. Fiquei extremamente humilhada”, relembra. Mas o caso teve repercussão junto à imprensa e a diretora foi obrigada a aceitar Gissela, dessa vez matriculada como aluna.
 
Com 17 anos, ela prestou o primeiro vestibular para Psicologia. “Estava tão ansiosa, que não consegui fazer a prova direito. Ao perceber que estava tão perto de realizar meu sonho, travei”, conta. Aos 18 anos, uma nova tentativa. Dessa vez, bem-sucedida. Mas o sonho tinha um preço. “A mensalidade do curso era muito cara e várias vezes tive de interromper o semestre”, recorda.
 
Além dos problemas financeiros, ainda havia a questão da locomoção. “Minha mãe me levava de ônibus para a faculdade. Franzina, ela me pegava nos braços, colocava no banco do passageiro e corria para embarcar a cadeira de rodas pela porta dianteira. Já perdi as contas de quantas vezes caímos e nos machucamos por descuido dos motoristas de ônibus”, afirma.
 
As colegas de faculdade faziam bingos e rifas para ajudar Gissela a pagar o curso. Ela e a mãe deixavam de comer para arcar com os gastos com fotocópias. Viveram uma série de sacrifícios até a tão esperada formatura. Nesse dia, os lábios que escreviam uma história de superação receberam,  enfim, autorização para levar consolo e auxílio terapêutico à alma de quem precisava. 
 
Mas a luta continuava. Conseguir o primeiro emprego foi uma batalha. “Ninguém queria me dar uma chance. Eu mandava dezenas de currículos e nada”, diz. Sem trabalho, ela foi vender balas no terminal de Senador Canedo com o irmão. Um repórter soube da história e divulgou-a na TV. No dia seguinte, recebeu uma proposta da Associação de Serviço à Criança Excepcional de Goiânia (Ascep).
 
Gissela trabalhou nessa entidade por um ano. Mas, ao final de 12 meses, o recurso disponível para sua contratação acabou e o contrato não foi renovado. Novamente sem emprego, decidiu estudar para concurso. Em 2002, passou para o cargo de gestora do Governo do Estado de Goiás. Lotada no Ipasgo, hoje atua na parte de treinamento e desenvolvimento e concluiu uma pós-graduação pela Fundação Getúlio Vargas em Gestão de Pessoas (FGV).
 
Na vida pessoal, a luta não foi menor. Conheceu o ex-marido quando ainda fazia faculdade. Logo depois de casar, engravidou e foi alvo de grande preconceito por sua decisão. “Parecia que eu estava cometendo um crime por colocar uma criança no mundo”, lembra. Decidida, teve um menino e depois uma menina. Ambos saudáveis, felizes e orgulhosos da mãe. Ficou casada por dez anos.
 
Clarice Lispector dizia que o único ato realmente imoral é desistir de si mesmo. Mas como não abrir mão dos próprios sonhos em meio a tantas dificuldades? “Acho que são dois aspectos. Uma parte vem da criação e a outra de uma decisão pessoal”, explica à repórter. “Minha mãe nunca me viu como vítima. Ela sempre acreditou em mim e me preparou para enfrentar os desafios da vida. Foi realista, firme, mas me deu muito amor”, justifica.
 
E quanto à decisão pessoal? “Ser feliz é uma escolha. Como bem ensinou o escritor e professor Leo Buscaglia, a vida é feita de pincéis de várias cores. Com eles você pode escolher se vai pintar o paraíso ou o inferno onde viverá. Só não pode culpar as pessoas pelas cores e pelo cenário que escolheu. Ser feliz é uma decisão pessoal e intransferível”, sentencia. 
 
Para Gissela, tudo depende do olhar de quem vê. A psicóloga acredita que quem encara a vida de forma amorosa é acolhido por ela e fortalecido por cada problema superado. Já quem mantém o olhar entristecido por causa das dificuldades é tragado para a vala do desânimo. “Escolhi pintar minha vida com muito amor e com as cores mais alegres que encontrasse”, resume. Sem dúvida, fez uma obra de arte.  

Comentários

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  • 28.02.2020 12:06 CARMEM LILIAN

    É uma pessoa incrível, onde eu tenho a feliz oportunidade de conhecer e relativamente, conviver. Que Deus te abençoe enormemente. Obrigada por existir e compartilhar sua trajetória conosco.

  • 31.08.2011 15:17 Marcilene Santos

    Impressionante! Sem dúvida, uma lição de vida.

  • 15.08.2011 10:04 Fabrícia Hamu

    João, eu ainda não tinha pensado nessa possibilidade, mas confesso que não é má ideia (rs). Obrigada pelo apoio!

  • 14.08.2011 15:05 Joao unes

    Fabricia, gostei muito. Com mais algumas historias teremos em breve o livro "gente que inspira"

  • 13.08.2011 17:19 Carol Magalhães

    Obrigada por essa maravilhosa lição de vida e de superação! Os seus textos são verdadeiras injeções de ânimo, esperança e coragem, oportunizando momentos preciosos de reflexão sobre o nosso modo de encarar os desafios e de lutar pelos nossos sonhos. Parabéns, Gissela! Você é, de fato, "gente que inspira".

  • 12.08.2011 18:24 Maria Inêz

    Que comovente história de vida, realmente de marejar os olhos, como disse Sérgio Paiva. Lendo histórias assim, refletimos o quanto somos capazes de vencer quaisquer obstáculos que possam surgir em nosso caminho em busca de um objetivo maior, bem maior do que o estado físico que possa nos encontrar. Gissela muita saúde para você, e parabéns Fabrícia!!!

  • 12.08.2011 15:46 Camila Carvalho

    Conheci a Lella quando fui trabalhar como auditora em psicologia no IPASGO e foi amor à primeira vista! Fiquei tão encantada com sua doçura apimentada, seu olhar curioso, sua sabedoria, seu humor delicioso e uma inteligência incomum, que me tornei pretenciosamente sua fã e discípula. Se hoje consegui alcançar voos maiores foi tudo culpa dela, minha gurua e musa inspiradora. Falam que não é por acaso que as pessoas aparecem em nosso percurso e depois dessa experiência com a Lella percebi o quão transformadora a vida pode ser se temos a humildade de aprender, ainda mais se for através de uma líder servidora, que ensina por amor! Sempre digo que tudo o que sei foi ela quem me ensinou e devoto à Gissella minha eterna gratidão!

  • 11.08.2011 19:58 Jucely Peixoto

    Belissimo exemplo,nos faz refletir sobre nossas vidas nos faz acoradar e parar de lamentar e nos colocar como vitimas.Ela é realmente uma pessoa que inspira e sua história nos motiva.Parabéns.

  • 11.08.2011 11:55 Saulo Antônio Alves

    Um belo exemplo, sei como é essa batalha,também venci e formo semana que vem.

  • 11.08.2011 08:42 Sérgio Paiva

    Mais uma história de arrepiar, marejar os olhos e encher o coração de esperança. Parabéns Fabricia e Gissela!

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Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

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