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Eliane de Carvalho
Eliane de Carvalho

Jornalista formada pela UFG, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), onde mora há 5 anos / eliane@aredacao.com.br

Barcelona

Xangai, a face moderna da China

Term do aeroporto ao centro flutua a 431 KM/h | 10.08.11 - 12:22 Xangai, a face moderna da China Xangai: uma cidade cinza quase os 365 dias do ano

 

Xangai foi minha primeira experiência em um país asiático. Coloquei os pés na China e logo percebi os sinais desta potência, que cresce 10% ao ano e já é a segunda economia do mundo . A ligação do aeroporto até o centro da cidade é feita por um trem chamado Maglev. Até aí nenhuma grande novidade, mas se trata do único exemplar de levitação magnética do mundo, que percorre 35 quilômetros, em apenas  8 minutos, a 431 quilômetros por hora. Já imaginaram o que isso significa para um paulista que pode gastar mais de duas horas para chegar de carro ou ônibus ao aeroporto de Cumbica, em um dia de chuva e muito congestionamento? Um sonho ainda bem distante!
 
Apesar da tentação em conhecer a novidade, eu fiz o trajeto de carro, porque um casal de amigos brasileiros me esperava no aeroporto. E aí outra surpresa: todo o percurso foi feito sobre um único viaduto. Uma obra colossal!
 
Da janela do carro, pude ver muitos arrozais, que ainda hoje, são cultivados de forma bem rudimentar. Faz parte dos antagonismos deste país, que é ultra moderno e ao mesmo tempo arcaico. No longo percurso, não há favelas e sim muitos prédios. Espigões de 30, 40 andares. São centenas deles a perder de vista. Alguns exatamente iguais, que  formam condomínios nas alturas. E para dar vazão a essa massa humana, que vive empilhada, foram construídos viadutos. 
 
A impressão que tive é de que existem duas Xangais: a de baixo, para os pedestres, casas, prédios, ruas e avenidas; e a de cima, formada por uma malha imensa de viadutos, feitos só para os carros. Viaduto pode não ser a melhor solução do ponto de vista urbanístico, mas funciona bem para o trânsito. 
 
Quando a prioridade é o carro, a qualidade do ar sente. Em 2007, China foi considerada o  maior poluidor do planeta, além de abarcar 16 das 20 cidades mais poluentes do mundo, segundo o Banco Mundial. 
 
E por falar em carro, Xangai está repleta de Santanas, aquele modelo antigo da Volkswagen, já fora de linha, no resto do mundo. Mas a montadora alemã desenvolveu uma linha só para os taxis desta cidade, com a parte de trás estendida para levar os passageiros. Deve ter sido um negócio da China! Além do que, transitar de taxi ali, é muito barato. O sistema de ônibus funciona bem e há poucas linhas de metrô, mas pela velocidade em que se multiplicam, esta realidade deve mudar em pouco tempo.  
 
O rio Huangpu também divide a cidade em duas. À margem direita, em Pudong (literalmente a leste do rio Pu), fica o centro financeiro, com seus edifícios de vidro e aço e a Torre da Televisão como epicentro e principal cartão postal de Xangai. Dizem que a vista à noite dali, com a cidade toda iluminada, é deslumbrante! Deve ser, mas no dia em que estive lá, chovia a cântaros! 
 
Do outro lado, no Bund (a oeste do rio Pu), há um calçadão amplo. É o lugar perfeito para admirar os arranha céus da outra margem. Ali, fica a cidade de pedra marron estampada nos prédios neoclássicos de origem européia. Nesta parte, formada pela antiga concessão francesa, pipocam lojas, restaurantes e bares da moda, mas é como se  estivesse na Europa e não na China. O bairro foi construído nos anos 30, quando a cidade vivia um boom econômico parecido com o atual. 
 
E como tudo na China é espetacular, com o rio que corta a capital financeira não é diferente. Se trata de uma das vias fluviais mais congestionadas do planeta. O porto de Xangai também é o mais importante do mundo. 
 
Os turistas estão por todos os lados e eu imaginava que a maioria deles era formada por ocidentais como eu. Nada disso! Eles são chineses, que com a melhora do poder aquisitivo, agora podem conhecer as principais cidades do país onde nasceram. E como todo turista, fotografam tudo que lhes parece diferente, como a mim, por exemplo. Alguns à distância, mas as adolescentes se aproximavam, pediam para tirar fotos comigo e me faziam perguntas, mas nada que incomodasse. Também vale a pena destacar a sensação de segurança que a cidade oferece. De dia e de noite, as pessoas circulam tranquilamente pelas zonas turísticas. 
 
Quem não tem cão...
 
Um dos principais atrativos da cidade são os mercados de cópias ilegais, que não são clandestinos. Ao contrário, são complexos com todo tipo de serviços e comodidades de grandes centros comerciais. Os produtos falsos estão expostos para quem quiser ver, com exceção das marcas que apresentaram demandas judiciais. Mas é só mencionar o nome de alguma delas, que aparecem roupas, bolsas e relógios tirados do teto, fundos falsos e portas secretas. 
 
Isso também deve mudar. O governo chinês já investe mais em pesquisa e desenvolvimento que a União Européia e atrai centros de produção e pesquisa de empresas de ponta, como a Airbus e Microsoft. Muitos analistas apostam na internacionalização das empresas chinesas, que venderão seus produtos com marca própria ou através da compra de empresas estrangeiras. Não faz muito tempo que o fabricante de carros chinês Geely comprou a Volvo, que pertencia a Ford. 
 
As marcas mais famosas do mundo também estão em Xangai, mas a maioria, que não pode consumir nas lojas de luxo, desafoga os sonhos materialistas nos mercados chineses. E lá fui eu a um deles. Há todo tipo de souvenir para turista, mas também tecidos de qualidade. Ali se pode encomendar um terno de cashmere, por exemplo, e o produto será entregue em dois dias, com corte e caimento perfeitos, pelo equivalente a 140 reais. Pelo movimento de clientes e rapidez do serviço, logo imaginei uma oficina de costura em um galpão gigantesco, lotado por centenas de chineses trabalhando sem parar. 
 
Uns muito ricos e outros...
 
Xangai é quarta cidade com maior densidade populacional do planeta, onde vivem 20 milhões de pessoas. Como em toda China, ali existe uma força de trabalho imensa e barata. O tamanho da mão de obra mantém os salários baixos, inclusive para homens e mulheres bem formados. Milhares de trabalhadores fazem turnos de 12 horas, em troca de um salário mínimo, equivalente a 124 dólares.
 
Atualmente, a China enfrenta a pior desigualdade de toda Ásia oriental. Em cidades costeiras do sul e leste, como Xangai, a renda per capta pode superar 7 mil dólares, mas existe um outro mundo nas zonas rurais, onde agricultores vivem com menos de 300 dólares por ano.  
 
A medida que cidades, como Xangai, se industrializaram, passaram a proporcionar uma oferta de trabalho nunca vista, perspectivas de riqueza e serviços modernos, que facilitam a vida. Mas para evitar uma migração em massa, o governo de Mao Tsé-Tung que liderou a República Popular da China de 1949 até sua morte em 1976, criou um sistema chamado hukou, em meados dos anos 50. O programa classificou as pessoas como rurais e urbanas e sem o documento de identificação de residente de uma cidade não era possível conseguir certidão de casamento, emprego, acesso à educação e à moradia. O sistema evitou a mobilidade da população, durante três décadas, mas também criou um país de segregados, uma China de duas sociedades. A reforma pós-Mao restaurou as relações entre campo e cidade e a economia de mercado exigiu uma mão de obra abundante e barata. Hoje, os emigrantes formam um terço da população de Xangai.
 
Desafios
 
Nos últimos anos, houve uma melhora importante nas condições de vida, no campo. O aumento dos recursos dos agricultores resultou numa redução significativa da pobreza, no país. O último relatório do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola das Nações Unidas informa que o número de pessoas que vive na pobreza, no mundo, diminuiu de 1bilhão e 400 milhões para 1 bilhão este ano e isso se deve em grande parte à China. Ainda assim, a renda média dos moradores das cidades é entre cinco e seis vezes superior a dos residentes rurais. O campo não pára, mas segue um ritmo muito mais lento  que as cidades e este desequilíbrio é um dos grandes problemas da China hoje. 
 
Outro desafio do país é se preparar para as demandas de uma população que envelhece. E isso se deve em boa medida à campanha de planejamento familiar imposta por Mao nos anos 70, para conter uma forte pressão demográfica, que significou uma redução de uma média de seis para 1,6 filhos por mulher. 
 
Naquela época, as pessoas com mais de 60 anos representavam 7% da população, hoje são 12% e a previsão é de que sejam 31% em 2050, ou 440 milhões de pessoas, que é mais da metade da população de toda a Europa. Uma das consequências é a diminuição do número de pessoas em idade de trabalhar e dificuldades consideráveis para manter o rápido crescimento econômico a médio prazo.  
 
A grande oferta de mão de obra é uma importante vantagem comparativa, que faz com que as exportações chinesas sejam mais competitivas, no mercado mundial.
 
Por um lado, se pode dizer que o crescimento chinês beneficia a América Latina, porque o grande volume de importações de recursos e matérias primas daquele país, eleva os preços, no mercado mundial. Outro aspecto positivo, é que o baixo custo dos bens manufaturados chineses permitiram um incremento nas relações comerciais entre China e América Latina. 
 
Uma outra leitura, é que a China não é um sócio estratégico para o Brasil, porque só quer comprar matérias primas sem valor agregado e exportar bens de consumo. Quando se trata de relações comerciais entre países, não existem boas intenções, mas grandes interesses. Prevalece a força daquele que fizer melhor uso dos potenciais econômicos e políticos. Muitas vezes, estas relações se transformam em disputas comerciais duríssimas. A Organização Mundial do Comércio existe para determinar e fiscalizar o cumprimento das regras, mas produtos competitivos e bons negociadores são indispensáveis nesse jogo e o Brasil tem um grande potencial.
 
Esta é uma das radiografias da China que vive a fusão de um comunismo político com um capitalismo econômico, sem uma divisão de poderes clara e uma sociedade, que ainda não consegue assimilar tantas mudanças, em tão pouco tempo.
 
A China instiga a curiosidade, a vontade de ler e compreender melhor esta potência que exerce mais influência que nunca, na economia mundial e segurança regional. Ainda há muito para contar, mas eu volto logo com outro texto de Beijing e aí, para falar sobre a Cidade Proibida e a Grande Muralha, dois impressionantes lehgados da China imperial. Mas também para contar sobre a preservação e destruição de uma cultura milenar, a ausência de democracia, o desrespeito aos direitos humanos, o massacre do povo tibetano, as relações internacionais da China e suas consequências para a segurança mundial. Até já!

Comentários

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  • 03.11.2012 23:27 lauane cristina eugenio

    nossa,que triste!!!!!!!

  • 21.08.2011 23:59 João Borges

    Eliane de Carvalho, estou radiante "....esta é uma das radiografias da China..." aguardo com ansiedade e curiosidade as informações sobre este país misterioso e grandioso. Texto brilhante!

  • 19.08.2011 22:21 TATIANA YANO

    Muito boa a reportagem. Trouxe ricas informações de um "mundo" ainda bastante estranho, por ser ainda desconhecido para mim, mas que vendo mais de perto, através das informações fornecidas pelo texto, tem muito do que é cosmopolita e mundial ao mesmo tempo em que preserva tradições e arcaísmos. Parabéns pelo texto.

  • 12.08.2011 14:01 Amaia

    Excelente artículo y muchas ganas de conocer Shanghai... me quedo con la frase "en el comercio internacional no existen las buenas intenciones, sino los grandes intereses..."

  • 11.08.2011 16:20 Josi

    Que texto gostoso de ler, adorei! tive a mesma sensaçao em Bangkok, sobre a cidade de baixo, e a do skytrain. bem como a diferença social .

  • 10.08.2011 19:13 Rosane

    Seu texto é rico em informações atuais e uma verdadeira aula de história!! Obrigada por compartilhar conosco essa rica experiência!! Parabéns, Eliane!!

  • 10.08.2011 17:21 Cristiane de Carvalho Melo

    Li, adorei o texto! Fácil e gostoso de ler! Dá vontade de ir a China!

  • 10.08.2011 14:52 Joao Unes

    Legal o texto, aprendi muitas coisas novas sobre a China. Gostaria de te parabenizar pelo belo trabalho.

  • 10.08.2011 14:49 jordana frauzino lima

    Eli, adorei seu texto e viajei com ele à China! Beijos!

  • 10.08.2011 13:46 Alexandre

    O crescimento de Xangai realmente impreciona... O metrô de Xangai hoje já é o maior do mundo, com mais de 800 km de linhas...

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