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Nádia  Junqueira
Nádia Junqueira

Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

Ora, pois!

Parabéns para você! Hoje é dia do índio

19 de abril: dia de todos nós | 19.04.12 - 08:28

Hoje é mais um dia dos outros. Dia da criança passa pela gente, hoje não nos pertence mais. Dia dos namorados, para quem tem. Dia da mulher, pertence somente a algumas, aquelas que citei aqui outro dia. Daqui uns dias é dia da abolição da escravatura, aquela coisa que não tem muito a ver com a minha realidade. E hoje é o dia do índio. Aquela figura que ficou lá no passado, até (graças a Deus) passarmos de seres selvagens a civilizados. E por isso hoje é um dia que penso: que porcaria de mistura somos nós que dia dos índios não tem nada a ver comigo? 
 
Essa semana li um texto no A Redação sobre a Bienal do Livro e Leitura em Brasília que me deixou bem encucada. A romancista moçambicana Paulina Chiziane, ao se referir aos efeitos da presença das novelas, igrejas e templos brasileiros em seu país disse: “Temos medo do Brasil”. Ela se referia à imagem que o Brasil tem vendido, pelas novelas (meio pelo qual fazem a imagem do país), de que no topo da representação social estão os brancos. Os negros são sempre os mandados e parece que somos, no máximo, mestiços, diminuindo a presença dos negros no Brasil. Além disso, as igrejas chegam à terra africana impondo certa forma de crença e negando as que já existem por lá. Há muitos anos, diga-se de passagem.
 
Disso decorre que os moçambicanos têm aceitado isso como natural: os negros sempre subalternos aos brancos. Assim como a imposição de uma forma de crença. E, digo mais, estive em 2010 na África do Sul na ocasião do Festival Mundial de Juventude e conheci jovens de liderança política no Moçambique. Eles admiram imensamente o Brasil. Pensam assim: “se eles chegaram lá (se referindo ao nosso crescimento socioeconômico), também podemos chegar”. Muito me envergonha vendermos essa imagem citada por Paulina. E, pior, não tiro a razão da romancista em ter medo do Brasil. Acho que eu também tenho.
 
Goela abaixo vamos engolindo os dois pilares dos três que formam o nosso sangue e história. O europeu, onipotente e onipresente, nunca precisou fazer força para ter espaço na sociedade brasileira. Forte por si, atravessou os séculos de nossa história com toda imponência. Levante a mão quem não prefere destacar seu sobrenome europeu ao seu Pereira ou Silva. Já os negros são aqueles que a custa de sangue e suor batalham cotas em universidade. Em emprego, em campanhas de publicidade. Seguem brigando para tocar os tambores e cultuar orixás. Pelo menos permitir uma homenagem da prefeitura com esculturas desses orixás num parque (se estão lembrados). Os índios são os outros que lutam para que sejam o que sempre foram: donos de suas terras. E é sobre isso (enfim) que quero falar.
 
Saio arrepiada e com emoção à flor da pele da sala de cinema. Em cartaz, “Xingu”, dirigido por Cao Hamburger e muito bem atuado por João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat. Chorei por ver um lindo fragmento da história brasileira. Por saber que temos heróis, ainda que eu não os conhecesse. Por ter visto algum final feliz nessa trajetória de vida desse país, enquanto passei o filme toda tensa achando que não teria. Chorei por ter sido privada da história da minha própria nação. E por vergonha desse povo que é meu e é como se não fosse: os índios.
 
Quantas vezes você já ouviu falar que o Brasil não tem herói? Que enquanto África do Sul tem Mandela e Índia tem Gandhi, nós temos Ayrton Senna e Pelé. Porque, infelizmente, nossa história é muito mal contada. A gente não conhece nossos heróis. Não que eles não existam. Principalmente porque um herói nunca pretende sê-lo. Ele se torna. E ele não deseja com toda a garra e ambição conquistar esse posto. Ao contrário, dá espaço para o protagonismo mudar de personagem.
 
Acho que por isso, uma simples linha no fim do filme constando, mais ou menos assim, que “Em 1984 (ou por aí) os irmãos Villas Boas passaram a liderança do parque para os próprios indígenas”. Souberam reconhecer sua missão e deixá-la quando cumprida. Ainda que a vida deles tenha se tornado tudo aquilo. Ainda que tenham se privado de muita coisa. Uma vida doada a uma causa maior. Coisa de herói.
 
E se eu não tivesse assistido a esse filme, talvez nunca soubesse como nossos índios não acabaram de ser exterminados do mapa. Que vergonha em não conhecer minha história. Assim como pouco sei da formação dos quilombolas em Goiás. É uma história que se escreve por mãos brancas. Os protagonistas vêm da Europa, os demais, coadjuvantes. E nós seguimos alheios à nossa própria história. Valorizando nossos sobrenomes europeus e achando que índio e negro são os outros. Não somos nós. Assim como os gays, judeus e qualquer tipo que fuja de um tipo ideal de brasileiro. Disso, seguem tantos problemas dentro do ônibus, passando pelas calçadas, bancos da faculdade até aos postos de trabalho e brigas no parlamento.
 
Não somos um. E nem nunca vamos ser iguais. Cláudio Villas Boas, por mais que passasse e dedicasse sua vida toda em meio aos índios, jamais seria um deles. E nem deveria ser para que se dedicasse à causa deles. Porque a verdade é que a causa era dele também. É uma luta pelo reconhecimento do valor de cada um que tem força em nossa formação. De cada ser que é brasileiro, simplesmente, e faz parte dessa sociedade. Pelo esforço em sermos reconhecidos igualmente diante das diferenças. Ações afirmativas tratando os diferentes de formas diferentes, como necessário. Para que um dia isso não mais seja preciso. Nesse dia do índio te faço um convite: corra à sala de cinema mais próxima e assista “Xingu”. Conheça uma parte de sua história que foi privada. Esse dia de hoje também é seu.
 

Comentários

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  • 25.04.2012 05:54 jordana frauzino lima

    Belo texto, me fez repensar a nossa história que infelizmente muitos fazem questão de esquecer.

  • 21.04.2012 07:43 nelson remy gillet

    Obrigado pela parte que me toca sou 25% Indio.os outros 75% sao europeus. O processo civilizatorio as vezes é cruel com o diferente.A cosntruçao de uma civilizaçao plural e inclusiva é um processo de construçao continua. O choque da civilizaçao e cultura indigena com a cultura branca europeia sao inevitaveis se elas entram em contato.Pelo menos hoje nao estamos simplesmente eliminando a outra civilizaçao.atenciosamente Nelson Gillet

  • 19.04.2012 02:10 Charles Alves

    Estava discutindo com uma colega que disse que tem gente se vestindo de índio pra ganhar terras alheias. Tem sim muita gente que coloca penacho na cabeça e se passa por índio. Por exemplo, meu avô teve terra desapropriada por índios (na verdade, foi invadida por índios e desapropriada pela FUNAI). Meu tio, semana passada tb foi parado pelos índios enquanto ia para sua roça no interior da Bahia (ele mora na região de conflito do sul da Bahia). Mas, eu acho que hoje, (e concordo com a Nádia) poderíamos refletir sobre os índios que fizeram e fazem história no nosso país, e não sobre os anti-herois, pq esses aí precisam ser lembrados em dias como “dia da justiça”, “dia do combate a corrupção” ou similares. Valeu pelo belo texto.

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Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

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