Goiânia - Há uma passagem inesquecível em Amarcord (1973), de Federico Fellini, na qual uma das personagens femininas clama pelo amor. As luzes, a beleza imagética do diretor italiano promove uma sinergia em que irrompe o amor, sentimento magnânimo e o cerne que perpassa pelos anseios íntimos dos seres humanos, afinal, este sentimento é essencial para aplacar a frieza e o pragmatismo do mundo que nos cerca e ressignificar a existência humana.
Em Deixe a Luz do Sol Entrar (2017), da francesa Claire Denis, uma diretora essencial na história do cinema, a película revela uma faceta que rompe características de filmes perturbadores como Desejo e Obsessão (2001) para demonstrar uma diretora calcada em uma obra mais palatável e menos arrojada ao público, mas nem por isso menos relevante. É bem verdade que este novo longa não está entre os seus melhores trabalhos como O Intruso (2004), 35 Doses de Rum (2008), Bom Trabalho (1999), ou o já citado Desejo e Obsessão, mas a sua presença na direção e um trabalho memorável de Juliette Binoche no papel principal garantem instantes de tirar o fôlego.
Logo no princípio, Isabelle (Binoche), acompanhamos o seu corpo nu, em que revela toda sua beleza fulgurante mesmo que a atriz esteja com mais de 50 anos. A atriz parece não envelhecer. E é este brilho, de sua beleza e talento que servem como combustível para balizar a estrutura narrativa que promove uma incessante busca por uma razão para viver como bem dito durante a projeção, ou seja, o amor, o encontro de almas para dissipar a solidão.
Isabelle é uma artista plástica, mãe de uma criança e divorciada, repleta de fragilidades e carências que perambula pelas ruas parisienses à procura do amor, à procura da luz que alumia o obscurantismo, mas, frustrada por não encontrar nos homens ao seu redor, alguém de comportamento digno e respeitável. A luz parece inalcançável para ela, mas é impossível tal afirmação uma vez que a personagem vivida por Binoche respira amor, em cada gesto, fala, ou em seu brilho constante proporcionado por uma atriz em estado de graça. Binoche brilha mais do que o próprio sol e se encaixa da poesia do amor conclamada por Amarcord.