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Declieux Crispim
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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

Cine Qua Non

O Viajante

| 12.03.18 - 08:39

Cena de 'O Viajante' (Foto: divulgação)

Goiânia - Filmar o impossível é o que há de melhor na vida. Tal afirmação na película Uma História do Vento, do célebre diretor Joris Ivens, vem ao encontro de O Viajante (1999), do mestre Paulo César Saraceni, um craque do cinema brasileiro, e, por conseguinte, de todo o cinema. A cada plano que sucede no ecrã perpassa um epítome de cenas “impossíveis” de se filmar, às quais reafirmam a grandeza deste diretor em um instante de êxtase, iluminado com a graça divina. É impossível não se deslumbrar com as imagens capturadas pela lente cinematográfica de Saraceni que é capaz de extrair sequências inacreditáveis de tão belas e inesquecíveis.

Não há como entender que, em um ano singular na história cinematográfica, uma obra magnânima como esta seja bastante eclipsada ante a produções de grande calibre, uma obra que representa uma das tragédias mais contundentes já filmadas. Há pelos menos três obras-primas memoráveis que firmam o referido ano como um ano exemplar. Abbas Kiarostami e Stanley Kubrick realizaram alguns de seus melhores filmes neste fim de milênio.  

No fundo, a questão primordial que norteia a película versa sobre a liberdade, sobre a dicotomia entre cometer um ato vil para se livrar de um carma, de um fardo imposto por Deus. Rafael (Jairo Mattos), o viajante, de passagem por uma provinciana cidade mineira deflagra uma série de eventos trágicos. Aqui há um elo com Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, em que um estranho no ninho expõe comportamentos inadequados por parte daqueles seres.  

Dostoiévski escreveu que a beleza salvará o mundo, e Saraceni parece corroborar esta assertiva, visto que, se não há possibilidade de salvar todos os personagens, a poesia que transborda com um simples pousar de uma borboleta sobre uma flor, ou mesmo a cena que marca uma morte de uma personagem essencial com a sequência que modifica a cor da roupa da donzela vivida pela jovem Leandra Leal e os balões vermelhos sobrevoando o local, assim como inúmeros outros, indubitavelmente alçam a película a patamares inimagináveis. Godard disse certa vez que queria atingir a imortalidade, e depois morrer. Pois exatamente isso o que Saraceni alcança. E o mestre ainda realizaria o estranhamento belo O Gerente (2010).

Ana Lara (Marília Pera), atormentada e torturada por uma dor lancinante devido a sua vida lamentável naquele fim de mundo tendo que cuidar de seu filme deficiente e com retardo mental vislumbra a possibilidade de, no viajante, acender uma vela de esperança que ilumine e guie seus passos a uma melhor condição, aspirante a uma liberdade que parece ter sido ceifada por Deus. Após se debater, rebela-se e comete uma atrocidade impensada. Atira seu filho num barranco para, enfim, livrar-se daquele “mal”, daquele empecilho divino que a matava lentamente. Os eventos trágicos que margeiam a película imersos em uma sensualidade estonteante confirmam a genialidade e sacraliza a obra primorosa deste grande diretor e promove um libelo à liberdade. 

Comentários

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  • 13.03.2018 00:14 Flávia Bosso

    Que leitura MARAVILHOSA! Adorei! Quero assistir!

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