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Ana Paula Oriola De Raeffray

Uma ciclovia e a responsabilidade

| 03.05.16 - 18:38
O noticiário dos últimos dias foi dominado pelo lamentável acidente ocorrido na ciclovia localizada na cidade do Rio de Janeiro, na Avenida Niemeyer, cuja espetacular vista do mar e da natureza é, de fato, inesquecível. Afinal, a própria avenida está encravada na rocha, o que já era de todo admirável como obra de engenharia e na época de ressacas sempre foi fustigada pela ferocidade do mar. Aliás, a chamada Gruta da Imprensa, sobre a qual passa a ciclovia justamente no trecho em que houve o desabamento, sempre teve ondas altíssimas que ao mesmo tempo que despertam o fascínio suscitam grande temor.
 
Se a Avenida Niemeyer já é fortemente atingida pelas ressacas, então uma ciclovia praticamente pendurada ao seu lado está muito mais exposta a essa situação, mas parece que isso nem sequer foi considerado quando da elaboração e execução de seu projeto, sendo que segundo as informações que foram divulgadas nos jornais, a obra custou mais de R$ 45 milhões de reais aos cofres públicos. Certamente a ciclovia Tim Maia é uma prioridade para cidade do Rio de Janeiro, pois resolveu-se gastar tal fortuna com a sua implantação em detrimento das inúmeras outras necessidades sociais que a cidade possui.
 
Situações como esta de uma ciclovia pendurada em um morro fustigado por ondas gigantescas sem nenhuma segurança causando a morte de pessoas ocorrem no Brasil porque as pessoas – físicas e jurídicas – não assumem as suas próprias responsabilidade, no sentido jurídico da palavra. A vida em sociedade exige que cada qual cumpra e assuma o seu quinhão de responsabilidade.
 
É fato que a reparação de danos não deve ser pleiteada e deferida a torto e a direito, pois a situação de fato deve encaixar-se na teoria da responsabilidade civil, a qual compreende a aplicação de medidas que sujeitem uma pessoa a reparar o dano material ou moral causado a terceiros em virtude de ato por ele praticado. A responsabilidade civil, portanto, é a obrigação de se reparar o dano material ou moral causado a outrem, desde que demonstrado que tal dano foi efetivamente causado. No que se refere ao fundamento da responsabilidade civil, existem duas teorias: de um lado, a doutrina subjetiva ou teoria da culpa, e, de outro lado, a doutrina objetiva, que faz abstração da culpa (responsabilidade sem culpa) e se concentra mais precisamente na teoria do risco.
 
Na responsabilidade subjetiva, o que se destaca no foco dos conceitos é a figura do ato ilícito, como ente dotado de características próprias, e identificado na sua estrutura, nos seus requisitos, nos seus efeitos e nos seus elementos. Para a responsabilidade civil objetiva, existindo relação de causalidade entre o dano causado à vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, mesmo que tenha este último agido ou não culposamente. Portanto, a obrigação de indenizar independe de culpa, bastando que fique demonstrada a existência do dano e o nexo de causalidade, onde neste caso, a culpa é presumida.
 
Na averiguação da responsabilidade civil é imprescindível que reste estabelecida a relação de causa e efeito entre o ato praticado pelo gestor suspeito e o dano ou prejuízo causado. Cumpre, entretanto, mencionar, que o Código Civil em vigor, mesmo mantendo a regra geral da subjetividade, ampliou as hipóteses de responsabilização objetiva, conforme previsto no seu artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
 
É certo que no Código Civil não estão indicadas expressamente quais as atividades que, por sua natureza, implicam em risco para os direitos de outrem, fixando-se uma forma aberta de responsabilidade objetiva, fato que transfere para o Poder Judiciário a sua conceituação.
 
A responsabilidade civil pode, ainda, revelar-se sob diferentes espécies, conforme a perspectiva em que se a analisa. Assim sendo, poderá ser classificada, quanto ao seu fato gerador, em contratual ou extracontratual. A responsabilidade contratual pressupõe um contrato válido, concluído entre o responsável e a vítima, sendo que qualquer das partes contratantes, quando falta com a sua obrigação, responde pelo prejuízo que causou a outra, seja cumprindo compulsoriamente a obrigação, seja ressarcindo as perdas e os danos sofridos.
 
Toda esta teoria, aqui muito sucintamente exposta, deve ser observada aplicada com eficiência e eficácia pelo Poder Judiciário. No caso gravíssimo como o ocorrido na ciclovia Tim Maia não se deve permitir que mais uma vez não haja a responsabilização daqueles que agiram com culpa, pois não cumpriram devidamente as suas obrigações, ou até quem sabe com dolo, pois receber R$ 45 milhões e entregar uma obra sem a segurança devida em face dos fatores naturais a que está ela exposta, é ter a nítida intenção de causar um dano.
 
*Ana Paula Oriola De Raeffray é advogada, mestre e doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC de SP

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