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Rogério Lucas

As redes sociais como tribunais de exceção

Mídia e a cobertura do Caso Cachoeira | 24.04.12 - 08:37
Bolcheviques subjugavam os “inimigos do proletariado” e os fuzilavam em praça pública como exemplação. Às vezes, apenas trucidavam em grupo nas cadeias mesmo, método de menor efeito moral, mas de eficiência e simplicidade no aniquilamento dos opositores. Quem julgava quem era opositor? Podia ser um tribunal recrutado nas hostes ou um só membro do Partido. Critérios subjetivos, ritos sumaríssimos, desconhecimento do amplo direito de defesa eram a base dos tribunais de exceção de Lênin, com mais intensidade, de Stalin, que não poupou nem Trotski, como se sabe.

Cuba, China e Coréia do Norte são outros exemplos, mas não se pode dizer que os tribunais de exceção, ou de arbítrio, são prerrogativa da esquerda. Hitler também estabeleceu o seu, em moldes idênticos, trocando os “inimigos do proletariado” pelas “raças não-arianas”. Ao fim, resolveu criminalizar o fato da pessoa ser de origem judaica. Condenou previamente, dispensando até os tribunais de exceção. Tecnicamente os puristas dizem que o nazismo acabou na cadeira dos réus num tribunal de exceção, o de Nuremberg, que tinha um objeto específico, embora amplo, o de julgar crimes contra a humanidade e os direitos humanos.

Sem me alongar sobre a crueldade explícita e a barbaridade dos julgamentos sumários – uma espécie de linchamento, só que patrocinado pelo Estado contra cidadãos sem chance de defesa – evoco o jornalismo brasileiro e o caso já clássico nas faculdades de jornalismo da Escola Base, de 1994, para falar de julgamentos subjetivos. Um delegado – uma fonte oficial, um braço do Estado – transformou delírios infantis e alguns laudos marotos, porque inconclusivos, em um escândalo nacional de sedução de crianças. Com a ajuda da Rede Globo, o primeiro órgão de imprensa importante a entrar no jogo oficial. Outros seguiram a mesma linha e a Escola Base acabou fechada, seus donos deprimidos, seus mestres desempregados, alguns sucumbiram à morte por desonra. Não dá para calcular quantos, exatamente. Foram julgados pelo tribunal de arbítrio dos delegados, da imprensa, da opinião pública. Quais doenças adquiriram por isto, quem há de saber? O fato é que respondendo na Justiça formal e democrática, foram inocentados.

Leio todos os dias notícias sobre vazamentos da operação Monte Carlo e cada dia mais me parece um tribunal de exceção o que está montado. Não falta nem a imprensa recorrer ao socorro de que divulga informações de uma operação oficial da Polícia Federal. Ainda estou por entender: se estes dados são públicos, qualquer cidadão poderia ter acesso. Tem sido negado, como foi, à Comissão de Ética do Senado Federal, sob alegação de que o processo corre sob segredo de Justiça. Os vazamentos são, portanto, ilegais. Não vejo entre os veículos de comunicação tão empenhados em conseguir vazamentos novos um deles se preocupar em dizer aos seus leitores/espectadores, que em nome da notícia quente, que vende jornal e dá audiência, estão em conluio com agentes públicos que facilitam acesso ao processo.

Mas sigamos adiante. Jornalistas, exceto os muito focas, já aprenderam como se esquivar de responder a crimes contra a honra, mesmo fuzilando suas vítimas diante da opinião pública. Carlos Cachoeira, o personagem do momento, aparece na mesma matéria uma vez como empresário, outra como “suposto” chefe de uma quadrilha, outra como “bicheiro” – este um negócio anacrônico no mundo da contravenção que ele há muito trocou pelo mais moderno e lucrativo caça-níqueis. Também tentou entrar, o Cachoeira, para o lucrativo e legal ramo das loterias do governo, com a Gerplan, no mandato de Maguito Vilela. E mais recentemente, para o ramo ainda mais rentável das fartas verbas públicas, sobretudo as que transformaram em prazo curto a Delta Construções de uma pequena empresa para uma das cinco maiores das verbas do PAC, o filho dileto da presidente Dilma Rousseff.

Ver as notícias diárias com base nos vazamentos da operação Monte Carlo sempre me assusta um pouco, sob a ótica da lembrança dos tribunais de exceção e arbítrio e as cautelas para evitar processos dos jornalistas. Há escorregões, como o detectado pela Ombudswoman da “Folha de S. Paulo” no domingo, 22, quando considerou exagero o jornalão ter publicado a estória de um avião Cessna que teria sido comprado pelo governador Marconi Perillo, de Goiás, com dois empresários brasilienses, segundo aparece numa ligação interceptada pela Polícia Federal entre Cachoeira e um de seus “braço-direitos”, entre a dezena que ele agora tem. (Fico pensando: como alguém com tantos braços-direitos e nenhum esquerdo consegue ser tão habilidoso? Volto).

Pois bem, se ser citado por Cachoeira e seus companheiros já virou crime, quero saber se a Polícia Federal está investigando o grande tenor italiano Andrea Bocelli. Afinal, ele está entre os mencionados em conversas envolvendo dinheiro, poder e famosos nas gravações vazadas da operação Monte Carlo entre Cachoeira e o Clube da Nextel, pelo menos segundo informou um jornal goiano, que esta acusação não vi na grande imprensa nacional.

Mas chego ao ponto. Sendo crime – senão jurídico, pelo menos midiático – ser mencionado, citado ou ter dialogado com ou por Cachoeira e seus chegados, resta ver a cada dia a sequência de onde será colocado na matéria a qualificação de empresário, acusado de contravenção, suposto chefe de quadrilha, condenado à prisão por suborno e etc. Aos jornalistas, com mais ou menos ousadia, amparados pelo vozerio que tem invadido as redações, sobra cada vez mais espaço.

Sem as mesmas sutilezas e destemidos, pessoas reais ou imaginadas nas redes sociais já chegaram a seu julgamento. Dê-nos nomes e vozes e nosso tribunal de exceção está permanentemente mobilizado, dizem os tuiteiros sedentos de sangue e o facebookeiros impávidos. Aniquilado pelo Senado, Demóstenes Torres já nem é mais alvo. Os justiceiros das redes sociais agora focam sua atenção na nova vítima, não por acaso a mesma escolhida pelo ex-presidente (?) Luiz Inácio Lula da Silva: querem ver o governador de Goiás, Marconi Perillo, arder em praça pública. Não o boneco, que já queimaram, mas o político, em carne viva, açoitado, como se fazia com as bruxas na era da Inquisição. Ou como se faz nos tribunais de exceção dos regimes totalitários. Primeiro se julga e se condena sumariamente. Depois se extermina o adversário. Depois, se houver necessidade, que se explique e se justifique. Provas, processo, defesa? Ah, mas quem vê necessidade disto?

Rogério Lucas é jornalista e assessor de imprensa

Comentários

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  • 02.05.2012 02:26 Jorge Augusto

    É por causa deste tão sonhado Estado Democrático de Direito que esse país está atolado em corrupção e violência até o pescoço!

  • 29.04.2012 06:43 Ângela Santos Coelho Silva

    Perfeito, todos deveriam ler! Parabéns Rogério Lucas!

  • 29.04.2012 03:51 Hélio Doyle

    Cáda crime tem suas circunstâncias e seus culpados. Cada julgamento é específico, na justiça não há julgamento pelo conjunto da obra, mas por fatos determinados e individualizados. Na política é diferente, não há tanta preocupação com as provas e sua legitimidade, nem com filigranas e chicanas que substituem a essência pelo acessório. A diferença é que no julgamento pelos tribunais os acusados podem ser presos, perder direitos e ter de ressarcir o Estado. Nos julgamentos políticos, podem perder mandatos eletivos e empregos, mas de modo geral o mal maior é a imagem negativa que fica após o processo. Antes mesmo dos julgamentos jurídicos e políticos, a CPI do Cachoeira já provoca situações nada confortáveis para vários personagens. O julgamento informal, pela chamada opinião pública, já começou. Entre os suspeitos de, no mínimo, malfeitos, já estão empresários, executivos, parlamentares, governadores, juízes, procuradores, assessores, policiais e jornalistas, entre outros. A lista é muito grande, mas nem todos serão processados e julgados, ou por serem mesmo inocentes ou por serem poderosos demais. A CPI vai julgá-los politicamente, nos limites de uma investigação parlamentar ditada por conveniências políticas e pela correlação de forças no Congresso. A Justiça vai julgá-los sabe lá quando, se é que vai, dependendo também de interesses do Ministério Público e da disposição de juízes. As consequências da operação da Polícia Federal que tem seu centro no empresário Carlos Cachoeira, dono de negócios lícitos e ilícitos, são os temas do momento. Mas o que a opinião pública está conhecendo a respeito do submundo em que transitam empresários, políticos, juízes, policiais e jornalistas, entre outros, é apenas uma pequena parte do que realmente acontece. Ou melhor, uma amostragem. Cachoeira não é o único empresário dono de negócios ilegais, nem que tem políticos e juízes nas mãos. A Delta não é a única empresa que ganha contratos e cresceu à custa da corrupção de homens públicos. Demóstenes Torres não é o único congressista que faz lobby para empresários e recebe dinheiro deles. Gilmar Mendes não é o único juiz cujas decisões em benefício de empresários são consideradas suspeitas. Roberto Gurgel não é o único procurador que engaveta investigações. Sérgio Cabral não é o único governador que confraterniza –ridiculamente, diga-se --com empresários que seu estado contrata em situações duvidosas. O Palácio das Esmeraldas, em Goiânia, não é o único em que chegam envelopes recheados de dólares ou reais. Policarpo Júnior não é o único jornalista que circula em meio a criminosos e a Veja não é o único veículo que subordina a ética do jornalismo a seus interesses político-ideológicos e empresariais –embora seja o que há de mais aperfeiçoado nesse sentido. O fato de serem os fatos e personagens apenas uma amostra do que acontece no país não isenta ninguém da culpa, se comprovada. O desvendamento desta amplíssima rede de corrupção é positivo para o Brasil e tem mesmo a função pedagógica de mostrar aos brasileiros como funciona o mundo real que nem sempre aparece na imprensa. As pessoas estão, aos poucos, tomando consciência de que as coisas não são como parecem ser, que o que vemos a olho nu é apenas a ponta do iceberg. A opinião pública já está julgando, mas nem todo aparente culpado é culpado e nem todo aparente inocente é inocente. O ideal é que tivéssemos instituições políticas e judiciais que fizessem o julgamento com imparcialidade, seriedade e livres de pressões –inclusive da opinião pública --, não tão rapidamente que leve a injustiças nem tão lentamente que leve à impunidade. Infelizmente, não temos. Olhando para trás, vemos isso com clareza: quantos culpados sem punição, quantos inocentes condenados apenas pela opinião pública. E a corrução seguindo impávida.

  • 28.04.2012 05:58 Caio

    Apenas alguns pequenos reparos: os políticos não estão sob suspeita pelo "crime de ser mencionado, citado ou ter dialogado com o empresário Carlinhos Cachoeira, mas pelas características peculiares das referências e dos diálogos travados. E tudo a partir do envolvimento não admitido do notável Demostenes Fogão e Geladeira que aparentemente mentiugoslavo muito ao Brasil e ainda recebeu do generoso professor alguns milhões de reais. Não fora a divulgação dos grampos por alguém possivelmente indignado com o Engavetador Geral da República e Demostenes Cachoeira continuaria representando seu tosco papel de moralista indignado,assim como alguns jornalistas remunerados há décadas pelos governos produzem autênticos libelos para seus patrões assinaram sob a camuflagem de artigos de opinião. Resta acrescentar que os mesmos que hoje condenam a possível manipulação das redes sociais já se valeram, e muito, da invisibilidade possível nesses meios para fazer propaganda disfarçada dos políticos hoje questionados. Alguns desses escribas de aluguel se dispuseram a assumir a identidade de seus chefes doando até o cérebro aos seus provedores para melhor enganar os eleitores! Imagino que o articulista não se prestaria a esse papel. Mas o que tem de assessores de imprensa praticando a arte do "faz-de-conta que sou eu" em todas as mídias é algo a ser observado com atenção. Mas nessas bandas trapaça é virtude e mentira é talento!

  • 27.04.2012 11:07 ANTÔNIO ALBERTO (Pe.Alberto) MENDES FERREIRA

    Realmente, o Marculino Perigo é uma pobre vítima ... Temos que salvá-lo !

  • 26.04.2012 02:27 Adriene Gomide

    Muito bom o seu texto Lucas e tbém bem definido.... Bolcheviques subjugavam os “inimigos do proletariado” e os fuzilavam em praça pública como exemplação. Abração!!!!!

  • 26.04.2012 12:25 Ester Carvalho

    Rogério, brilhante análise. Com profundo respeito à categoria jornalística, sinto um descompasso e um "desserviço à sociedade" a derramada de informações em pérfidas doses homeopáticas, acusando a esmo, sem qualquer observância ao contraditório e à ampla defesa. Atropelaram os princípios da plena cidadania e do estado democrático de direito. Resisti muito até entrar nas mídias sociais e hoje começo a me arrepender profundamente, depois de minha adesão abnegada ao Facebook, pois há ondas de informações fictícias, truncadas, mentirosas, manipulações de opiniões, induções, etc. Parabéns pelo artigo!!!

  • 26.04.2012 12:48 Wellington Rezende

    Quero ver se você tem coragem de falar mal dos partidos corrptos da presidenta e do tucanos

  • 26.04.2012 12:47 erivelton peixoto

    Teve um cara lá na padaria da minha rua que disse que vendeu um pãozinho pra um cara dessa quadrilha. Tem que tacar fogo na casa dele.

  • 26.04.2012 12:45 Cirineu Gomes

    ë devido a articulistas deste nível que eu sou leitor do A Redação.

  • 24.04.2012 04:57 Ana Paula Castro

    O pior das redes são as patrulhas, sempre prontas a esculhambar qualquer um que tenha uma idéia autentica. Quem sai da mesmice é esculhambado como bandido. Ser comum é o único modode vida aceitável pelos nazistas do pensamento.

  • 24.04.2012 04:54 Reginaldo

    Direita e esquerda são conceitos ultrapassados e não existem mais em osso mundo de economia de mercado. Nas redes sociais perde-se muito tempo discutindo teses que nada têm a ver com a vida real.

  • 24.04.2012 04:51 Aldo van Weezel

    Valeu a pena esperar para ler esta obra prima. Teu texo não vale só pra Goiás. É pertinente para todo o mundo. Continue escrevendo, por favor.

  • 24.04.2012 10:28 Carlos Henrique Lucas

    Muito bem pontuado! Como sempre contextualizando o cenário como ninguém! Abraçoo

  • 24.04.2012 10:25 Karine

    Nossa, menino, que adivinhão!QUEREMOS MESMO VÊ-LO QUEIMAR EM PRAÇA PÚBLICA. Não literalmente, claro. Ele perdendo o cargo já nos fará feliz.

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